Após a chacina de sete adultos e uma adolescente de 12 anos em um bar da cidade de Sinop, no Mato Grosso, circulou a informação de que um dos assassinos era filiado a um clube de tiro em outro município matogrossense, Alta Floresta, que tem 50 mil habitantes e fica a cerca de 300 quilômetros do local do massacre.
A informação até agora não foi confirmada. O que foi confirmado é que um dos assassinos, Ezequias Souza Ribeiro, era traficante de madeira com atuação no norte do Mato Grosso, onde ficam Sinop e Alta Floresta, e que o outro, Edgar Ricardo de Oliveira, dava uns pipocos num estande de tiro em Sinop chamado Clube de Caçadores do Nortão (CCN).
Confirmado ou não que Ezequias ou Edgar treinavam tiro ao alvo também em Alta Floresta, uma outra informação digna de nota é que os donos dos dois clubes de tiro que existem na cidade pertencem a um outro clube, este mais “exclusivo”: o de famílias sulistas que fizeram fortuna no setor agromadeireiro do norte do Mato Grosso, estado onde o número de registros de novas armas de fogo triplicou em dois anos – e nunca é demais lembrar que Sinop, onde foram registradas 10.133 novas armas só entre 2020 e 2021, é acrônimo de Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná.
O dono da Associação de Tiro Alta Floresta (Ataf), aberta em 2018, é Andre Bianchini Serafin, membro de uma próspera família catarinense que atua nos ramos madeireiro, agropecuário e imobiliário. O dono do Clube de Tiro B-17 é Celso Crespim Bevilaqua Junior, filho de um conhecido pecuarista emigrado do norte paranaense que chegou a ser presidente do Sindicato Rural de Alta Floresta. Nas redes sociais do clube há fartura de fotos de Bevilaqua Junior desfraldando a bandeira do seu clube no acampamento golpista na frente do QG do Exército, em Brasília.

Aberto em novembro de 2019, o clube B-17 foi batizado assim em homenagem ao número de urna de Jair Bolsonaro em 2018.
Os nomes de alguns clubes de tiro do Mato Grosso, aliás, dizem muito sobre se procede ou não procede a descrição de que são casas voltadas exclusivamente para a prática do “esporte”. Além do B-17, há ainda, por exemplo, o Patriotas Clube, de Sinop, o Clube de Tiro e Caça Patriota, de Sapezal, e o estande de tiro do Grupo Força e Honra, em Cuiabá.
O clube Força e Honra tem como nome o grito de guerra comum a policiais de operações especiais de todo o país – e tem no símbolo a caveira dos Bopes também. Um dos sócios do grupo Força e Honra é também fundador e presidente da Associação Brasileira de Operações Especiais (ABOpEsp).
Trata-se de Marcos Paccola, um ex-policial do Bope-MT que conseguiu se eleger vereador cuiabano em 2020 mas que perdeu o mandato após assassinar um agente socioeducativo com três tiros pelas costas, em julho do ano passado, na capital matogrossense. Mesmo assim, foi considerado apto para disputar uma vaga de deputado federal no ano passado, chegando a fazer campanha no B-17, em Alta Floresta, apresentando-se como candidato do Movimento Pró-Armas. Paccola foi apenas um dos acusados de homicídio e violência apoiados pelo Pró-Armas nas eleições 2022.
Antes de ser eleito vereador (não conseguiu ser eleito deputado), Marcos Paccola foi denunciado pelo Ministério Público de Mato Grosso no âmbito da Operação Coverage, sobre adulteração dos dados de uma arma de fogo usada em três homicídios e quatro tentativas de homicídio praticados por um grupo de extermínio chamado Mercenários. Ao todo, 17 policiais de Cuiabá foram intimados a depor no âmbito da Coverage. Um deles foi o 3º sargento Fernando Raphael Ferreira de Oliveira.
Amigo de Paccola e frequentador do clube Força e Honra, Fernando Raphael foi quem assinou uma nota divulgada nesta quarta-feira, 22, pela Federação de Tiro de Mato Grosso sobre a chacina em Sinop. Na nota, a entidade “solicita encarecidamente à imprensa do estado que trate criminosos e assassinos sem rotular como atiradores esportivos”.
Nesta quarta-feira de cinzas, uma equipe do Bope foi enviada da capital do Mato Grosso até Sinop para caçar o traficante de madeira e coautor de chacina Ezequias Souza Ribeiro. Ezequias “morreu em confronto com o Bope numa área de mata”. Quem saberá se morreu com ele alguma informação sobre os vínculos de clubes de tiro de Mato Grosso com outros círculos atuantes no estado, no Centro-Oeste, no país?
A jovem, muito jovem Larissa de Almeida Frazão, morta aos 12 anos de idade na chacina de Sinop, por exemplo, jamais saberá exatamente o que está em jogo, para além de apostas de sinuca, com tanta arma em punho, no “nortão” amazônico do Mato Grosso.