Segundo o ministro da Justiça, Flavio Dino, o caso Marielle Franco finalmente mudou de patamar, após anos de morosidade coincidentes com o final do governo Temer e todo o governo Bolsonaro, chegando agora perto dos mandantes.
Sobre os mandantes, uma figura central do governo Bolsonaro, general, além de um outro general do Exército Brasileiro, parecem figuras centrais a serem ouvidas sobre a respeito do novo patamar, por causa dos cargos que ocupavam quando do assassinato de Marielle, mas principalmente pelo que já disseram sobre… os mandantes. Até agora, porém, pelo que se sabe, não deram nomes aos bois que insinuaram conhecer, nem foram chamados às falas sobre isso.
Estamos falando do general Braga Netto e do general Richard Fernandez Nunes. Braga Netto era o interventor federal no Rio quando Ronnie Lessa crivou Marielle e Anderson de balas. O general Richard era seu secretário de segurança, braço direito de Braga Netto na intervenção.
Sobre os mandantes da morte de Marielle, disse o general Braga Netto pouco depois de terminada a intervenção no Rio, em uma entrevista à revista Veja:
“Aquilo [o assassinato] foi uma má avaliação deles. Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era”.
“Um perigo para quem?”, perguntou, estupefato, o repórter Leandro Resende, da revista Veja.
“Não vou entrar nesse mérito”, respondeu Braga Netto.
Ainda durante a intervenção, no fim de 2018, o repórter Marcelo Godoy abriu assim, no Estadão, a matéria “Milicianos mataram Marielle por causa de terras, diz general”, que trazia uma entrevista com o general Richard Nunes:
“A vereadora Marielle Franco foi morta porque milicianos acreditaram que ela podia atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste do Rio. O crime estava sendo planejado desde 2017, muito antes de o governo federal decidir decretar a intervenção federal no Rio. As revelações foram feitas pelo general Richard Nunes, secretário da Segurança Pública do Rio”.
O novo patamar das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco, inaugurado a partir da delação de Élcio de Queiroz, confirma que o crime vinha sendo planejado desde 2017, conforme dissera o general quase cinco anos atrás.
Veja um trecho da entrevista:

General, o caso Marielle foi uma afronta à intervenção?
Não foi. O que entendo hoje é que os criminosos superestimaram o papel que a vereadora poderia desempenhar. Era um crime que já estava sendo planejado desde o final de 2017, antes da intervenção. Isso aí nós temos já; está claro na investigação. O que aconteceu foi o contrário. Os criminosos se deram conta da dimensão que tomou o crime por ter sido cometido na intervenção. Não podemos entender como afronta porque eu assumi em 27 de fevereiro. E dei posse ao comandante da PM no dia 14 de março, que foi o dia do crime. Estávamos iniciando um trabalho. E hoje com os dados de que dispomos de 19 volumes de investigação fica claro que se superestimou o papel que ela desempenhava.
Que papel?
Ela estava lidando em determinada área do Rio controlada por milicianos, onde interesses econômicos de toda ordem são colocados em jogo. No momento em que determinada liderança política, membro do legislativo, começa a questionar as relações que se estabelecem naquela comunidade, afeta os interesses daqueles grupos criminosos. É nesse ponto que a gente precisa chegar, provar essa tese, que está muito sólida. O que leva ao assassinato da vereadora e do motorista é essa percepção de que ela colocaria em risco naquelas áreas os interesses desses grupos criminosos.
Como ela colocaria em risco?
A milícia atua muito em cima da posse de terra e assim faz a exploração de todos os recursos. E há no Rio, na área oeste, na baixada de Jacarepaguá problemas graves de loteamento, de ocupação de terras. Essas áreas são complicadas.
A atuação dela seria de fazer…
Uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse da terra. Isso causou instabilidade e é por aí que nós estamos caminhando. Mais do que isso eu não posso dizer.
Este Come Ananás vêm há tempos chamando atenção para estas declarações dos generais Braga Netto e Richard Nunes sobre o caso Marielle, para o aparente desinteresse dos órgãos investigativos quanto a essas declarações e para a conexão do teor dessas declarações com pelo menos um grupo político-miliciano que atua no Rio de Janeiro.
Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio segundo o qual Flávio Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia em áreas griladas em Rio das Pedras e na Muzema e financiados com dinheiro das rachadinhas de Flávio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Diz a reportagem do Intercept:
O esquema funcionaria assim:
• Flávio pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj.
• A partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda.
• A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.
• As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares nos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos.
• O lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público.
Diz ainda a reportagem do Intercept:
“A ligação do ex-capitão [Adriano da Nóbrega] com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros”.
Afinal, os generais já foram ouvidos? Serão?