Na noite da última quinta-feira, 14, o repórter da Rede Globo Gabriel Luiz levou 10 facadas quando transitava nas imediações do prédio onde mora, em Brasília. O crime aconteceu três dias após ir ao ar uma reportagem de sua lavra que teve como consequência o fechamento de um clube de tiro em Brazlândia, no Distrito Federal. Gabriel está internado em estado grave.
A reportagem de Gabriel Luiz veiculada às vésperas de o repórter ser tocaiado mostra uma farra do berro e do pipoco – mais uma – comendo solta ao lado de uma lavoura de morangos e outras propriedades rurais. Um trabalhador rural contou ao repórter que quando “as balas vêm zoando aí nós baixa”. Um vizinho do clube fala em ter que “usar colete à prova de bala dentro da própria casa”.
A reportagem mostra que, enquanto Gabriel Luiz conversava com moradores do entorno do clube de tiro, sócios do clube apareceram e logo começaram uma discussão.
Um dos sócios do clube, aliás, é um verdadeiro arquétipo bolsonarista: já foi “conferencista internacional” de seita neopentecostal e é dirigente de uma associação de CACs (Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores) do Planalto Central. Nas redes sociais, posta fotos de pistolas ao lado da Bíblia, posa com t-shirts “Bolsonaro presidente” e faz vídeos sobre estar em dúvida sobre qual arma pôr na cintura para ir até a esquina comprar pão, já que Brasília liberou o porte de armas para CACs semanas atrás, sob forte lobby do Movimento Pró-Armas.
“Não é sobre armas. É sobre liberdade”, diz o bordão do Pró-Armas que é papagaiado por 9 entre 10 CACs do Brasil e que mal abafa as movimentações francamente políticas das lideranças armamentistas e donos de clubes de tiro, 9 entre 10 deles cabos eleitorais de Jair Bolsonaro. Há poucas semanas, um deles pedia votos para seu “mito” nas dependências de um clube de tiro no interior de São Paulo, de microfone em punho e com uma arma de grosso calibre a tiracolo.
Um grande clube de tiro de Brasília já espalhou outdoors na capital federal evocando outro bordão que não sai da boca dos CACs: “O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

É o mesmo clube de tiro brasiliense cujo presidente posta meme de um atirador estourando os miolos de um militante de esquerda caracterizado como pedófilo:

Sobre doidões
No início da noite desta sexta-feira, 15, a imprensa adiantava que, após prender dois suspeitos, a Polícia Civil de Brasília já tinha batido o martelo de que Gabriel Luiz foi vítima de tentativa de latrocínio, descartando quaisquer outras linhas de investigação menos de 24 horas depois do crime e antes mesmo de ouvir o esfaqueado.
Nem as 10 facadas típicas de atentado; nem a profissão de Gabriel Luiz; nem a reportagem que Gabriel levou ao ar três dias atrás, e que resultou no fechamento de um clube de tiro que tinha acababo de ser inaugurado; nem o fato de que o repórter, além de incomodar atiradores bolsonaristas com seu trabalho, incomoda atiradores bolsonaristas porque é gay; nada disso parece ter sido suficiente para a Polícia Civil de Brasília ir devagar com o andor.
A “explicação” para que supostos ladrões de carteira tenham enfiado 10 vezes uma faca em várias partes do corpo do repórter, numa área de baixa criminalidade de Brasília, é que eles estariam drogados. Os esfaqueadores, porém, estavam bem lúcido quando, logo em seguida ao crime, abandonaram o celular de Gabriel porque, segundo a polícia, perceberam que o aparelho poderia ser rastreado.
Portanto, acerca do atentado sofrido pelo jornalista Gabriel Luiz, não é sobre facas, ou “lâminas”, como gostam de dizer os CACs, que gostam de armas brancas também.
Não é sobre facas. É sobre coincidências, e o Brasil é a capital mundial delas pelo menos desde que o país sofreu um golpe de Estado e a alta cúpula do Exército começou a alimentar a ascensão de um velho pangaré “doidão” da sua cavalaria no preciso momento em que militares começavam a ser acossados por investigações sobre os crimes de lesa-humanidade cometidos na Ditadura, na esteira do golpe de Estado anterior.