Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (Foto: Raphael Ribeiro/BCB)

Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, repercutiu forte na Europa um artigo de Larry Elliott, editor de economia do jornal Britânico The Guardian, no qual ele assinalava que:

  • A ideia de bancos centrais “independentes”, que “já esteve na moda”, é um “produto da escola neoliberal de economia de Chicago”.
  • “A separação da política monetária e fiscal serve ao status quo neoliberal”;
  • Após a crise de 2008 e da atuação sôfrega dos Bancos Centrais “independentes” para enfrentá-la, ficou velha a noção desde sempre um tanto simplória – para não dizer irresponsável – de que a “independência” dos bancos centrais poderia ser “uma forma sensata de impedir que políticos tentassem comprar votos com dinheiro barato”.
  • Já tinha ficado claro que a ideia de bancos centrais “despolitizados” é um mito, vide o ex-presidente do Banco da Inglaterra Mervyn King exortando Downing Street à austeridade (no auge da crise) enquanto se arvorava zelador da taxa de juros supostamente livre de interferências políticas.
  • O Banco Central Europeu, “independente”, atua sobretudo politicamente ao servir de instrumento de (forte) pressão para que governos implementem reformas estruturais (neoliberais). Vide o fato de o BCE ter sido, junto com o FMI e a Comissão Europeia, uma das pernas da “troika” que impôs draconianos cortes orçamentários em países como Grécia e Portugal.
  • “Os bancos centrais [‘independentes’] ficam do lado do capital contra o trabalho porque aceitam a ideia neoliberal de que existe um ponto – a taxa natural de desemprego – além do qual estimular a economia apenas leva a uma inflação mais alta”.
  • Bancos centrais “independentes” são instituições forjadas pelo capital “para se proteger do perigo de uma democracia escolher políticas econômicas das quais o capital não gosta”.
  • Os presidentes dos bancos centrais “independentes” têm opiniões, e elas – “sem surpresa” – tendem a ser conservadoras.

Antes ainda do Guardian, em 2018, até a revista The Economist, farol do liberalismo, reconheceu que os bancos centrais “independentes” dos EUA e da Europa se notabilizaram por se imiscuir em questões políticas:

“Alan Greenspan tornou perfeitamente escancarado seu desejo de que Bill Clinton enfrentasse o déficit orçamentário, e falou a favor de cortes de impostos durante a administração de George W. Bush. O Banco Central Europeu envolveu-se profundamente na política durante a crise da zona do euro, fazendo com que o apoio de emergência a governos em dificuldades dependesse da adoção de suas políticas preferidas”.

Até a Economist reconheceu que a política monetária requer uma discussão necessariamente… política: “não é nenhuma loucura dizer isso”.

Isso, claro, na matriz.

Lanterna na popa

Na colônia, coube a Jair Bolsonaro sancionar a lei da “autonomia” do Banco Central do Brasil. A lei complementar 179 de 24 de fevereiro de 2021 levou ainda as assinaturas do chicago boy Paulo Guedes e de Roberto Campos Neto, um descendente não apenas de sangue de um ministro da Ditadura, mas levando na popa a mesmíssima lanterna das políticas antipovo.

Roberto Campos Neto: um tecnocrata provindo do banco Santander, cuja operação a nível global registrou lucro recorde em 2022 graças aos aumentos das taxas de juros para frear a inflação…

Como signatária oculta da criação de um FMI doméstico contra políticas econômicas das quais o capital não gosta, a mídia – a mídia transigente com o bolsoguedismo.

Dois anos depois, para esta mídia funciona assim: o presidente eleito e empossado da República Federativa do Brasil, em pleno 202º ano da independência, não pode questionar a taxa básica de juros ditada pelo Bacen “independente”, sob pena de isto “custar caro ao país” e ao contrário do que, segundo a mídia, o presidente do Bacen “independente” pode fazer em relação à política fiscal do governo democrático.

Em pleno 202º ano da independência, a mídia grita, aterroriza: “independência – do Banco Central – ou morte!”.

Apoie o Come Ananás com assinatura ou Pix

Fortaleça a imprensa democrática brasileira.

FAÇA UMA ASSINATURA de apoio ao jornalismo do Come Ananás. Mensal ou anual, via Google. Cancele quando quiser. Você também pode fazer uma contribuição única.

OU FAÇA UM PIX de apoio ao Come Ananás, de qualquer valor. Toda contribuição é importante. Estas são as chaves Pix do Come Ananás:

Celular
(24) 98828-1201
E-mail
pix@comeananas.news
CNPJ
43.651.012/0001-99

Assinantes antigos podem gerenciar suas assinaturas de apoio na área do assinante ou no portal do cliente da Stripe.

Deixe um comentário

Deixe um comentário