Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, repercutiu forte na Europa um artigo de Larry Elliott, editor de economia do jornal Britânico The Guardian, no qual ele assinalava que:
- A ideia de bancos centrais “independentes”, que “já esteve na moda”, é um “produto da escola neoliberal de economia de Chicago”.
- “A separação da política monetária e fiscal serve ao status quo neoliberal”;
- Após a crise de 2008 e da atuação sôfrega dos Bancos Centrais “independentes” para enfrentá-la, ficou velha a noção desde sempre um tanto simplória – para não dizer irresponsável – de que a “independência” dos bancos centrais poderia ser “uma forma sensata de impedir que políticos tentassem comprar votos com dinheiro barato”.
- Já tinha ficado claro que a ideia de bancos centrais “despolitizados” é um mito, vide o ex-presidente do Banco da Inglaterra Mervyn King exortando Downing Street à austeridade (no auge da crise) enquanto se arvorava zelador da taxa de juros supostamente livre de interferências políticas.
- O Banco Central Europeu, “independente”, atua sobretudo politicamente ao servir de instrumento de (forte) pressão para que governos implementem reformas estruturais (neoliberais). Vide o fato de o BCE ter sido, junto com o FMI e a Comissão Europeia, uma das pernas da “troika” que impôs draconianos cortes orçamentários em países como Grécia e Portugal.
- “Os bancos centrais [‘independentes’] ficam do lado do capital contra o trabalho porque aceitam a ideia neoliberal de que existe um ponto – a taxa natural de desemprego – além do qual estimular a economia apenas leva a uma inflação mais alta”.
- Bancos centrais “independentes” são instituições forjadas pelo capital “para se proteger do perigo de uma democracia escolher políticas econômicas das quais o capital não gosta”.
- Os presidentes dos bancos centrais “independentes” têm opiniões, e elas – “sem surpresa” – tendem a ser conservadoras.
Antes ainda do Guardian, em 2018, até a revista The Economist, farol do liberalismo, reconheceu que os bancos centrais “independentes” dos EUA e da Europa se notabilizaram por se imiscuir em questões políticas:
“Alan Greenspan tornou perfeitamente escancarado seu desejo de que Bill Clinton enfrentasse o déficit orçamentário, e falou a favor de cortes de impostos durante a administração de George W. Bush. O Banco Central Europeu envolveu-se profundamente na política durante a crise da zona do euro, fazendo com que o apoio de emergência a governos em dificuldades dependesse da adoção de suas políticas preferidas”.
Até a Economist reconheceu que a política monetária requer uma discussão necessariamente… política: “não é nenhuma loucura dizer isso”.
Isso, claro, na matriz.
Lanterna na popa
Na colônia, coube a Jair Bolsonaro sancionar a lei da “autonomia” do Banco Central do Brasil. A lei complementar 179 de 24 de fevereiro de 2021 levou ainda as assinaturas do chicago boy Paulo Guedes e de Roberto Campos Neto, um descendente não apenas de sangue de um ministro da Ditadura, mas levando na popa a mesmíssima lanterna das políticas antipovo.
Roberto Campos Neto: um tecnocrata provindo do banco Santander, cuja operação a nível global registrou lucro recorde em 2022 graças aos aumentos das taxas de juros para frear a inflação…
Como signatária oculta da criação de um FMI doméstico contra políticas econômicas das quais o capital não gosta, a mídia – a mídia transigente com o bolsoguedismo.
Dois anos depois, para esta mídia funciona assim: o presidente eleito e empossado da República Federativa do Brasil, em pleno 202º ano da independência, não pode questionar a taxa básica de juros ditada pelo Bacen “independente”, sob pena de isto “custar caro ao país” e ao contrário do que, segundo a mídia, o presidente do Bacen “independente” pode fazer em relação à política fiscal do governo democrático.
Em pleno 202º ano da independência, a mídia grita, aterroriza: “independência – do Banco Central – ou morte!”.