Em uma fantástica, incrível coincidência, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) começou a “desembarcar” de Jair Bolsonaro em ato contínuo, dias após, se não horas, à remoção do último entrave para a consumação da autonomia do Banco Central, velha e cardinal demanda da entidade que foi levada a cabo finalmente e precisamente sob o governo Bolsonaro.
Na última quinta-feira, 26, o Supremo Tribunal Federal validou a Lei Complementar 179/2021, de autonomia do Bacen. Após a lei ser sancionada por Bolsonaro, no fim de fevereiro, o PT e o Psol haviam entrado no Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por vício de tramitação.
A lei que dá autonomia ao Banco Central foi desdobramento de uma proposição feita em 2019 pelo senador tucano Plínio Valério. O relator da ação no Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que a intenção de dar autonomia ao BC deveria ter partido diretamente do presidente da República, e não de um senador.
Contrariamente ao parecer do relator, porém, a ação foi julgada improcedente por oito votos a dois, após divergência aberta por Luis Roberto Barroso. Só Rosa Weber acompanhou o voto de Lewandowski e agora, de uma vez por todas, a Febraban não precisa mais de Bolsonaro.
‘Obrigado pela presteza’
A autonomia do Banco Central foi aprovada pela Câmara dos Deputados no último 10 de fevereiro, quando o Brasil chegou a 235 mil mortos por causa da aliança entre Jair Bolsonaro e o Sars-Cov-2. A sanção de Bolsonaro veio duas semanas e mais 15 mil mortos depois, no dia em que o Brasil chegou à marca de 250 mil cadáveres covid.
A relatoria do projeto de autonomia do Banco Central na Câmara foi confiada por Arthur Lira ao deputado Silvio Costa Filho, do Republicanos, no dia 4 de fevereiro. Três dias depois, 7 de fevereiro, Silvio Costa disse que já tinha apresentado o relatório, naturalmente favorável à demanda não resolvida do neoliberalismo que Fernando Henrique Cardoso deixou sobre a mesa no 3º andar do Palácio do Planalto. No dia 10, o texto foi a plenário: aprovado.
O presidente da Febraban, Isaac Sidney – ele próprio um ex-diretor do Banco Central – não se coube no cofre e cumprimentou publicamente o deputado Silvio Costa Filho pela “presteza” no trabalho.
Silvio Costa foi eleitor de Haddad nas eleições 2018 e foi candidato a vice-prefeito do Recife em chapa encabeçada pelo PT. Ele é filho de um ex-deputado federal que se bateu no Congresso contra o impeachment de Dilma Rousseff e tentou se eleger para o Senado com o slogan “o senador de Lula”.
Contrato futuro de Boi Gordo
Ao longo de 13 anos, Lula e Dilma cozinharam os vendilhões do país – ou talvez tenham sido cozinhados por eles – com uma “autonomia na prática” do Bacen. No início de 2021, “porque só se fala de covid”, como diria Ricardo Salles, alguém passou a mão naquele papel deixado para trás por FHC, soprou a poeira e mostrou bem de pertinho ao fascismo, dizendo algo assim como o slogan do Itaú:

E assim, no meio do pesadelo da covid-19, da falta de vacina e de oxigênio, eis que de repente, súbito, o pesadelo de Montesquieu: Executivo, Legislativo, Judiciário e, em breve, Febraban, desculpe, Banco Central autônomo com mandato não coincidente com o do presidente da República, a fim de tirar do Executivo decisões centrais sobre política econômica.
A Febraban, também ela, passou a sua boiada. Agora, aos 580 mil mortos e após inúmeros avisos de golpe, já pode “desembarcar” em paz.