Desde antes de se candidatar, concorrer, eleger-se e de tomar posse como 38º presidente da República, Jair Bolsonaro já fazia rufar os tambores da destruição do Estatuto do Desarmamento; da devastação ambiental; da aniquilação do Estado laico; do atropelo dos direitos humanos e desprezo a minorias como políticas de governo; de flagrantes desvios de finalidade de ministérios e outros órgãos federais; entre outros planos capazes de fazer vexar aqueles que alguém já chamou de “setores responsáveis deste país”.
Mas estes setores deram de ombros, desde a direita que arrota baixinho e sabe identificar a faca de peixe até o “mercado”, passando pelo Judiciário e pela mídia corporativa, que, na “onda conservadora”, inundou suas folhas e seus sites com certos colunistas francamente fascistóides, a título de “refletir todas as correntes da sociedade”, ou algo assim.
Era a época da “escolha muito difícil” – entre Bolsonaro e Fernando Haddad – e, na sequência, após a posse, foi a época da “pauta dos costumes” (este grande eufemismo para retrocesso) tocada por Weintraub, Damares, Ernesto Araújo, Sergio Camargo, et caterva; após a posse, foi a época do “pois é… o presidente tem esse jeitão”, frase e variações dela repetidas um dia após o outro, entre risos, nos estúdios de TV.
Mas aí o presidente, homem elástico, foi esticando a corda, esticando a corda, até o ponto de tensionamento de distribuir avisos de golpe de Estado – de autogolpe, “intervenção militar com Bolsonaro presidente”, como diz uma das faixas mais comuns levantadas nos atos antidemocráticos.
Jair Bolsonaro, porém, já dizia às vésperas de tomar posse que, empossado, não iria considerar que existem Três Poderes, mas sim que “é um poder só”, e disse isso ao então presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli: “falei com Toffoli ontem – disse Bolsonaro no dia 7 de novembro de 2018 – que não vou falar que existem três Poderes, é um Poder só, que o que está em jogo é o futuro do Brasil”.
Tivesse partido de um grande democrata que acabasse de ser eleito presidente da República, a afirmação de que não consideraria a existência de três Poderes já seria, no mínimo, de fazer chacoalhar o túmulo de Montesquieu. Vindo de quem veio – um notório amante de ditaduras – não poderia, em nenhuma hipótese, deixar de ser percebida como aviso precoce de que o governo que estava prestes não aceitaria o sistema de freios e contrapesos entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
No início de agosto, o Estadão finalmente atentou para “o presidente sem freios”, título de um editorial do jornal publicado naquele dia, quase três anos depois de outro, aquele, famoso: “Uma escolha muito difícil”.
Quando Bolsonaro mencionou a Toffoli “um só Poder”, aqueles “setores responsáveis deste país” estavam inebriados com a primeira derrota do Partido dos Trabalhadores numa eleição presidencial desde 2002, e aquele primeiro recado – o “último recado” está marcado para o próximo 7 de setembro – foi entendido, recebido, passou como um chamamento de Jair Bolsonaro, logo de quem, à união…
Aí está. Cá estamos.
