Eduardo Bolsonaro (Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados).

Das viagens de Eduardo Bolsonaro ao exterior, três ficaram mais famosas: uma à Austrália, em 2017, e no fim deste artigo vamos recordar o porquê; outra a Dubai, em 2021, quando Eduardo se vestiu e à família com indumentária dos xeiques árabes, e posou para foto; a terceira ao Qatar, no fim do ano passado, após as eleições, durante a Copa do Mundo, quando, flagrado curtindo in loco um jogo da seleção da CBF, Eduardo disse que estava no país da Copa para entregar pen drives sobre “a situação do Brasil”, porque, nas palavras do deputado, “a FIFA tem mais membros que as próprias Nações Unidas”.

A mais exótica viagem de Eduardo Bolsonaro ao exterior, porém, passou praticamente à margem de holofotes. Foi em meados de outubro do ano passado, quando, entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, o filho 03 do candidato a presidente da República que buscava a reeleição contra Lula embarcou para Buenos Aires a fim de “mostrar a dura realidade da Argentina e alertar os brasileiros sobre as consequências de votar no socialismo”, nas palavras de quem diz ter viabilizado aquela visita de quatro dias de Eduardo à Argentina, o site La Derecha Diario.

Ou melhor: segundo o site La Derecha Diario, de Buenos Aires, quem “patrocinou” – esta é a palavra usada – aquela estadia portenha de Eduardo foi o dono do site, o “consultor político digital” Fernando Cerimedo, um radical de direita que trabalhou na campanha do rechazo à Constituição progressista do Chile e que atua, hoje, para levar o fascista Javier Milei à Casa Rosada. Como? Manipulando o debate eleitoral na Argentina por meio de 50 mil contas falsas em redes sociais.

Talvez o leitor não esteja ligando o nome à pessoa. Fernando Cerimedo foi o argentino que protagonizou a live “Brazil Was Stolen” (“O Brasil Foi Roubado”), primeiro ataque sistematizado, relatorizado contra o sistema brasileiro de votação eletrônica após as eleições de 2022 no Brasil, contestando o resultado da eleição presidencial. Na live, Cerimedo afirmou ter recebido um relatório do Brasil apontando que determinados modelos de urnas eletrônicas haviam registrado fraudulentamente mais votos para Lula do que para Bolsonaro.

A live com informações falsas sobre as urnas eletrônicas foi transmitida de Buenos Aires no dia 4 de novembro do ano passado, cinco dias depois do segundo turno, duas semanas após a viagem de Eduardo Bolsonaro à Argentina. Antes de ser derrubado pelo YouTube, o vídeo de Cerimedo viralizou como um rastilho de pólvora entre os paióis bolsonaristas da internet, atiçando a brasa das concentrações golpistas que começavam a se formar na frente de quartéis de norte a sul do país após o segundo turno, alimentando-as com o slogan “Brazil Was Stolen” ao longo de novembro, dezembro e até o 8 de janeiro de 2023.

Pés

As duas fotos que Come Ananás reproduz logo abaixo são da viagem de Eduardo Bolsonaro a Buenos Aires às vésperas do segundo turno das eleições brasileiras de 2022. As fotos mostram Eduardo com Fernando Cerimedo e dois jovens argentinos. Os nomes dos jovens que não arredaram pés de ciceronear Eduardo na Argentina são Giovanni Larosa (de camisa preta) e Ezequiel Acuña (de óculos).

Giovanni Larosa se apresentava, à época das eleições de 2022, como correspondente do La Derecha Diario no Brasil. Funcionário, portanto, de Fernando Cerimedo. Em outubro, durante a campanha eleitoral, Giovanni chegou a viajar no avião presidencial com Jair Bolsonaro, a quem chamava de “el chefón”. O jovem acompanhou a apuração do primeiro turno com Eduardo Bolsonaro e “el chefón” em Brasília.

O outro cicerone de Eduardo Bolsonaro naquela viagem a Buenos Aires, Ezequiel Acuña, também é ligado ao La Derecha Diario e a Fernando Cerimedo. No dia da live “Brazil Was Stolen”, Acuña postou a foto abaixo no Twitter, indicando que estava presente no local e na hora da transmissão da live golpista.

No dia seguinte à live “Brazil Was Stolen”, um dos mais radicais políticos bolsonaristas, o ex-deputado Coronel Tadeu (PL-SP), surgiu em outra live, também em Buenos Aires, ao lado de Fernando Cerimedo, a quem Tadeu se referiu como “Fernando Sem Medo”, chamando de “herói” o testa de ferro de golpistas brasileiros. Coronel Tadeu, que não conseguiu se reeleger em outubro passado, não foi preso quando pôs os pés de novo no Brasil.

Mãos

Semanas após estrelar a live “Brazil Was Stolen”, Cerimedo participou remotamente de uma audiência golpista organizada pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado da República. Na audiência, Cerimedo disse que “a verdade simplesmente caiu em minhas mãos”:

“Estou aqui para falar com vocês sobre esta verdade hoje, com a esperança de que o Brasil não caia em uma armadilha eleitoral que, como já estamos presenciando, as evidências são irrefutáveis e claras”.

As “evidências” do relatório apócrifo apresentado na live “Brazil Was Stolen” por Fernando Cerimedo, basicamente de que os votos em Lula teriam sido inflados em certos modelos de urnas eletrônicas, são os mesmos do relatório de contestação do resultado eleitoral divulgado também na época pelo PL de Jair Bolsonaro.

O relatório apresentado na live de Cerimedo dialoga ainda com o relatório da “fiscalização” das Forças Armadas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas. O relatório “Brazil Was Stolen” fala em “potencial algoritmo” no primeiro e segundo turnos para “exacerbação da diferença entre modelos de urnas”. O relatório das Forças Armadas diz que, por causa de supostas dificuldades impostas pelo TSE ao seu trabalho, os militares não conseguiram descartar a possibilidade de urnas usadas nas eleições estarem infectadas por “um código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”.

Não em uma, mas em duas ocasiões recentes, no La Nación e no Infobae, a imprensa argentina citou que Fernando Cerimedo trabalhou para a campanha de Jair Bolsonaro em 2022. No fim de maio, a Agência Pública mostrou que Eduardo Bolsonaro tem uma empresa, a Eduardo Bolsonaro Cursos Ltda, no mesmo endereço de uma loja que vende produtos com o slogan golpista “Brazil Was Stolen”.

Anúncio de caneca com slogan golpista no site da Camisetas Opressoras

Caso Cerimedo tenha manipulado a campanha do ano passado no Brasil usando dezenas de milhares perfis falsos em redes sociais, como faz agora na Argentina, no Brasil é crime eleitoral. Caso sejam identificados acertos remunerados ou “por amor à causa” da campanha de Jair Bolsonaro com um cidadão estrangeiro para açulamento de atos golpistas contra a eleição brasileira, dando largada à temporada de relatórios mentirosos pós-eleitorais, pavimentando o 8/1, pode faltar vaga na Papuda.

Fígados

No dia 2 de fevereiro de 2017, o fotógrafo Lula Marques registrou, com sua lente, uma conversa cabulosa por WhatsApp entre o então deputado federal Jair Bolsonaro e seu filho e colega de Câmara Eduardo Bolsonaro. O pai estava no plenário da Câmara; o filho, na Austrália. Jair mandou o seguinte zap para “Dudão”:

“Compre merdas por aí. Não vou te visitar na Papuda. Se a imprensa te descobrir aí, e o que está fazendo, vão comer seu fígado e o meu. Retorne imediatamente”.

A imprensa nunca se interessou muito pelo assunto, nem quando Jair Bolsonaro se candidatou à presidência da República. A rigor, a imprensa corporativa brasileira só começou a comer o fígado de Jair Bolsonaro muito tardiamente. O de Eduardo, nem isso, ainda que há tempos ele esteja à mesa, à feição. Agora, mais que nunca.

Se a imprensa brasileira não se interessou pelas “merdas” de Eduardo Bolsonaro na Austrália, e a Austrália ficou para trás, ainda há tempo de ir atrás do que exatamente Eduardo Bolsonaro foi fazer na Argentina no meio do processo eleitoral de 2022 no Brasil. Não só a imprensa, mas a Polícia Federal também.

Enquanto as instituições brasileiras não tomam vergonha na cara para cortar o golpismo na raiz, “Dudão” é hoje membro, suplente, da CPI Mista do 8/1.

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