Foto: Alex Ferreira / Câmara dos Deputados.

Pouca gente notou o detalhe, mas a expressão completa usado por Eduardo Bolsonaro para tripudiar da tortura de Miriam Leitão nas mãos da ditadura foi “ainda com pena da cobra”. O “ainda” na frase pode significar “até hoje”, algo como “com pena da cobra desde 1972”, ano em que Miriam, grávida, foi trancada numa cela com uma jiboia.

O mais provável, porém, é que o “ainda” de Eduardo Bolsonaro em “ainda com pena da cobra” seja uma referência ao que o então deputado Jair Bolsonaro disse na tarde do dia 3 de setembro de 2014, uma quarta-feira, no plenário da Câmara dos Deputados.

Citamos:

“A KGB bancava dezenas de jornalistas em nosso País. Eu não vou falar aqui de Maurício Azêdo, porque esse já morreu, mas vou falar aqui de Miriam Leitão, que estava chorando, esses dias, na imprensa, porque foi torturada: ‘botaram no meu quarto uma cobra’Eu tenho pena da cobra!”.

Sim, senhora; sim, senhor: não foi a primeira vez.

Dois meses depois, em novembro de 2014, sem que tivesse sido incomodado por dizer o que disse não no Twitter, mas na tribuna da Câmara, Bolsonaro falava pela primeira vez, agora sim, abertamente em ser candidato à presidência da República, em discurso na Aman: “alguns vão morrer pelo caminho, mas eu estou disposto, em 2018, seja o que Deus quiser, tentar jogar para a Direita este país”.

O discurso de 2014 na Câmara em que Bolsonaro disse ter “pena da cobra” usada pela ditadura para aterrorizar Miriam Leitão foi motivado por um pedido feito na época por entidades de Direitos Humanos a Dilma Rousseff para que o então comandante do Exército, General Enzo Peri, fosse destituído do cargo por obstruir os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

O dono da jiboia

Foi naquele agitado ano de 2014 que um dos torturadores de Miriam Leitão, o coronel do Exército Paulo Malhães, que era o dono da jiboia, morreu durante um suposto assalto ao seu sítio em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Paulo Malhães morreu exatamente um mês após voltar atrás em declaração que tinha dado ao jornal em que Miriam trabalha, O Globo, dizendo que foi ele o responsável por desovar o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, a serviço da ditadura; e menos de um mês após dar um depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio contando detalhes da rotina de torturas, execuções e ocultação de cadáveres pelos militares.

Na época, a CNV pediu a entrada da Polícia Federal na investigação da morte do coronel, por forte suspeita de queima de arquivo. A polícia do Rio recusou. Num primeiro momento, o delegado responsável disse que Paulo Malhães, encantador de jiboias, desovador de cadáveres, provavelmente tinha morrido de ataque do coração por, digamos, “violenta emoção” diante de um assalto.

Depois, provas técnicas mostraram que Malhães tinha sinais de asfixia. A polícia do Rio, porém, insistiu na tese. O inquérito afinal concluiu que, porque fora asfixiado com um travesseiro, Paulo Malhães acabou sofrendo um ataque do coração.

Ataque do coração, como, por exemplo, Gustavo Bebianno viria a morrer mais tarde também.

Quem sabe como Adriano da Nóbrega também? Quem sabe o Capitão Adriano, em seus últimos instantes, no norte da Bahia, escondido no sítio de um vereador bolsonarista, não sofreu um infarto no miocárdio antes de ser atingido por dois tiros no peito disparados pela PM baiana?

‘Em nome dos generais presidentes’

Aliás, por falar em Adriano da Nóbrega, Bolsonaros, etc, a atuação de Paulo Malhães a serviço do jogo do bicho no Rio, no pós-ditadura, costuma ser lembrada por estudiosos do tema como exemplo de como a lógica de usar torturadores da ditadura na contravenção foi uma espécie de precursora da lógica das milícias.

Mais uma com os cumprimentos dos militares de 64. Foi, aliás, “em nome dos militares de 64” e “em nome dos generais presidentes” que Eduardo Bolsonaro votou pelo impeachment de Dilma na Câmara, a exemplo de como o pai, na mesma votação, votou “em memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.

O torturador de Dilma Rousseff.

De novo, nada aconteceu. Nem com o pai, nem com o filho.

Agora, Eduardo Bolsonaro, no próximo tweet, é capaz de postar assim, novamente imitando papai:

“Em memória do coronel Paulo Malhães, o pavor de Miriam Leitão”.

Naquela sessão de 2014 na Câmara em que Bolsonaro precedeu o filho zero três em matéria de ter “pena da cobra”, o presidente da sessão, Amir Lando, depois de Bolsonaro proferir esta e outras barbaridades, disse assim:

“Vossa Excelência tem mais um minuto”.

É isso. Numa frase, a síntese da nossa Grande Marcha Para Trás. De um minuto em um minuto, de tolerância em tolerância, Bolsonaro encheu o papo. Seus zerinhos, também.

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