Alvo da PF, ex-assessor de Bolsonaro assinou norma para dar verniz técnico a apropriação de joias

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Segundo o colunista d’O Globo Lauro Jardim, a Polícia Federal realiza na manhã desta sexta-feira, 12, operação de busca e apreensão na casa do capitão-de-corveta Marcelo da Silva Vieira, que foi chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República no governo de Jair Bolsonaro.

No dia 9 de dezembro de 2021, poucas semanas após a apreensão no aeroporto de Guarulhos de joias que seriam presentes da Arábia Saudita para Jair Bolsonaro, o gabinete pessoal da presidência editou uma nova norma de “apoio técnico ao Presidente da República nos assuntos referentes ao seu acervo privado”.

No caso das “joias das arabias”, o “apoio técnico” para definir se elas iriam para o acervo privado do presidente, caso tivessem chegado ao Palácio do Planalto, seria dado pelo capitão-de-corveta Marcelo Vieira.

A nova norma foi criada por meio da resolução 1/2021 da Comissão Memória dos Presidentes da República, órgão vinculado ao Gabinete Pessoal do presidente. A resolução, assinada pelo próprio Marcelo 44 dias após a apreensão das joias em Guarulhos, instituiu uma assim chamada “Política de Acervos Documentais Presidenciais Privados”.

“Considera-se acervo presidencial privado – diz a resolução – o definido nos arts. 2º e 3º do Decreto nº 4.344, de 2002”.

O artigo 2º do decreto 4344/2002 prevê que “o acervo documental privado do cidadão eleito presidente da República é considerado presidencial a partir de sua diplomação, independentemente de o documento ter sido produzido ou acumulado antes, durante ou depois do mandato presidencial”.

Já o artigo 3º do decreto especifica como acervo privado dos presidentes da República desde obras de arte até “objetos tridimensionais”, e diz que “documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes” são públicos, não privados.

Durante muitos anos vigorou a interpretação do decreto 4344/2002 de que só seriam obrigatoriamente incorporados ao patrimônio público os presentes recebidos pelos presidentes da República em solenidades oficiais de troca de presentes.

O ex-ministro-almirante das Minas e Energia Bento Albuquerque disse que recebeu informalmente, não em cerimônia oficial, as joias dadas pelos sauditas em Riad: “no final da viagem, eu indo pro aeroporto, chegou lá um enviado do governo da Arábia Saudita e entregou duas caixas”.

Em acórdão de 2016, porém, o Tribunal de Contas da União (TCU) mudou a interpretação de que só presentes recebidos em solenidades de trocas de presentes seriam obrigatoriamente públicos. É neste acórdão que o TCU define como presentes destinados ao acervo presidencial privado do presidente apenas aqueles de natureza personalíssima – como itens gravados com o nome do mandatário – ou de consumo direto, como comidas e bebidas.

A resolução do gabinete de Bolsonaro que criou a “Política de Acervos Documentais Presidenciais Privados” não menciona a complementariedade do acórdão do TCU aos termos do decreto 4344/2002.

Marcelo da Silva Vieira foi um dos cinco militares envolvidos na “Operação Chopard”, que mobilizou três ministérios e a própria Presidência da República ao longo de 14 meses para tentar sacar as “joias das arábias” da alfândega de Guarulhos e entregá-las a Bolsonaro.

Em 29 de outubro de 2021, três dias após a apreensão em Guarulhos, o capitão-de-corveta enviou um ofício ao Ministério das Minas e Energia orientando a pasta a preencher e apresentar à Receita Federal o Formulário de Encaminhamento de Presentes para o Presidente da República, visando desembaraçar as joias e a fim de que os presentes fossem encaminhados ao gabinete pessoal do capitão Bolsonaro, “para o devido tratamento técnico” pelo gabinete adjunto de documentação histórica.

O ofício de Marcelo para as Minas e Energia dizia ainda que as joias apreendidas deveriam chegar “fisicamente” – esta é a palavra usada no ofício – ao gabinete presidencial “para análise quanto à incorporação ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”.

Entre 2019 e 2022, pelo menos outros dois estojos com joias da Chopard dados pelos sauditas chegaram “fisicamente” ao gabinete presidencial e receberam o “tratamento técnico” de incorporação ao acervo privado de Jair Bolsonaro, tendo indo parar na garagem de Nelson Piquet.

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