O Supremo Tribunal Federal fixou nesta segunda-feira, 27, sua própria competência para julgar militares envolvidos com o terrorismo do 8/1 e autorizou a Polícia Federal a abrir inquérito para apurar a participação de fardados nos ataques à Praça dos Três Poderes.
No mesmo dia, e no momento em que parlamentares do PT colhem assinaturas para tramitar o projeto de mudança do artigo 142 da Constituição, vazou, ou “vazou” um áudio do general Tomás Paiva fazendo uma explanação político-partidária a subordinados quando ainda era chefe do Comando Militar do Sudeste, no último 18 de janeiro. Três dias depois daquela reunião do diretório sudestino do Partido Militar, Tomás Paiva viria a ser nomeado comandante do Exército, rendendo o insubordinado general Júlio Cesar de Arruda.
No áudio, Tomás Paiva diz que o invicto Exército de Caxias teria se quedado vítima indefesa da “interferência política” de Bolsonaro; que “a gente constatou fraude [nas eleições]? Não”; que Lula, ainda que “indesejado”, foi eleito; que “a outra bolha, e ela não é pequena”, teria que ser reconhecida pela sua, a sua bolha, a de Tomás Paiva, descrita pelo próprio como “militarista, de direita e conservadora”; e que os ataques do 8/1 às sedes dos três poderes foram “deploráveis e lamentáveis”.
Nada disso – Tomás Paiva resignado em ter que engolir o sapo barbudo – é exatamente novidade, mas tudo isso vem sendo amplamente destacado pela imprensa apegada, aferrada ao mito do último quatro estrelas legalista. O mais importante do áudio de Tomás Paiva, porém, é apenas mencionado no fim de uma das matérias da Folha de S.Paulo sobre o assunto, quando o general comenta a possibilidade de o novo governo promover reformas nas Forças Armadas:
“Faz parte da cadeia de comando segurar para que isso não ocorra. Agora fica mais difícil, mas nós vamos segurar, porque o Brasil precisa das Forças Armadas. Da nossa postura, da nossa coesão, da nossa manutenção dos valores, da crença na hierarquia e disciplina, do nosso profissionalismo, depende a força política do comandante e dos comandantes de Força para obstar qualquer tipo de tentativa de querer nos jogar para o enquadramento”.
Ora viva: o general supostamente legalista quer apenas impedir que a bolha oposta à sua, a democrática, enquadre as Forças Armadas nos limites das leis e do espírito da República, no melhor estilo estratégia de contenção de danos, diante da força momentânea do governo “indesejado”.
Porém, a rigor, tampouco é novidade que a “bolha” de Tomás Paiva – onde habita, por exemplo, o golpista-mor, general Eduardo Villas-Bôas – não aceitará qualquer tipo de enquadramento civil. Não à vera. No máximo um José Múcio.
Há pouco mais de um mês, quando Tomás Paiva assumiu o comando do Exército, este Come Ananás lembrou o que disse o general em 2017 sobre um trecho de uma resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT em 2016, logo após a abertura do processo de impeachment contra Dilma, no qual constava que os governos petistas deveriam ter atuado para alterar o sistema de promoção das Forças Armadas e o currículo das escolas militares. Disse assim Tomás Paiva, sobre isto:
“Isso para mim foi o maior erro estratégico do PT, foi uma coisa burra”.
A declaração foi dada na sala que Tomás Paiva viria a ocupar, a do comandante do Exército, no Forte Apache, em Brasília. Naquele feita, novembro de 2017, o então chefe da força terrestre, o general Villas-Bôas, convidou seus homens de confiança para acompanharem – e participarem – de uma entrevista ao repórter Fabio Victor. Na época, Tomás Paiva era chefe de gabinete de Villas-Bôas.
“Deixa em off ou põe em on?”, perguntou Villas-Bôas à sua bolha quando Fabio Victor perguntou sobre a proposta do PT de reforma das Forças Armadas. Ganhou “em on”.
Já o áudio da reunião de Tomás Paiva com subordinados em suas últimas horas como chefe do Comando Militar do Sudeste, divulgado nesta segunda por um podcast de pouca fama, começa com o general dizendo assim: “eu me recuso a ter que pedir ao pessoal para ter que deixar o celular fora. Eu tenho plena confiança naqueles que são meus comandantes de unidade”.
Agora, em um momento em que, fosse no governo anterior, as Forças teriam soltado mais uma nota ameaçando o Supremo e o Congresso Nacional, agora o áudio vazou, ou “vazou”, com a voz do comandante do Exercito ribombando das vésperas de sua investidura no cargo, depois do golpe fracassado, radiofônica; em vez de “A Voz do Brasil”, “A Voz dos Milicos”, dizendo, lembrando, alertando, mui legalista:
“Vamos engolir, a contragosto, por enquanto. Mas não mexam com a gente”.