Abril de 2021: Milton Ribeiro em atendimento a prefeitos em São João da Boa Vista, São Paulo (Foto: Catarina Chaves/MEC).

Com a prisão do atirador acidental do aeroporto de Brasília pela Polícia Federal, é importante não perder de vista o resumão do preachergate do MEC, para não fazer feio na redação de algum Enem sobre pesado e enrolado jogo político pré-eleitoral envolvendo a PF, o bolsopentecostalismo e o Centrão.

O resumo: cumprindo ordem de Bolsonaro, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro destinou recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para onde apontavam os pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura Correia, ambos de um tal Ministério Cristo Para Todos (MEC).

Em áudio vazado meses atrás, a voz de Milton Ribeiro tilinta dizendo que “a questão do [pastor] Gilmar” foi “um pedido especial que o presidente da República fez para mim”, e que a prioridade era “atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”.

Gilmar Santos e Arilton Moura estiveram 35 vezes no Palácio do Planalto desde o início do governo Bolsonaro.

Tivéssemos um procurador-geral da República apegado mesmo que por um fio à ideia de República, o presidente da República já teria sido denunciado por chefiar organização criminosa.

É este o resumo do Preachergate revelado em março pelo Estadão e pela Folha, e os personagens que dele surgem, surgem – vamos falar português, talquei? – à moda Fabrício Queiroz, ou seja, como obscuros operadores de um vício que os Bolsonaro não conseguem largar: desviar recursos públicos para fins particulares.

Muito à moda Queiroz

Esqueça a calvície, que já faz mais de 100 anos que Lombroso morreu. Mire as coincidências de modi operandi.

Se Fabricio Queiroz, quando ninguém sabia onde estava Queiroz, foi achado em imóvel de Frederick Wasseff, advogado de Jair e Flavio Bolsonaro, o advogado de Michelle Bolsonaro, Daniel Bialski, assumiu a defesa de Milton Ribeiro horas após Ribeiro ser preso pela Polícia Federal.

Bialski relatou à repórter Carla Araújo, do UOL, que recebeu um pedido de “socorro” de Milton Ribeiro às seis da manhã, quando a polícia bateu na porta do ex-ministro, em Santos.

Quando veio à tona que Fabricio Queiroz depositou um total de R$ 89 mil na conta de Michelle Bolsonaro, Queiroz justificou os depósitos dizendo que se tratava de pagamento de empréstimos feitos a ele por Bolsonaro para ajudá-lo a comprar dois carros. Sobre o depósito de R$ 50 mil feito pelo pastor Arilton Moura na conta da esposa de Milton Ribeiro, Daniel Bialski diz que o valor é referente à compra de um carro para a filha do pastor…

Se foi por meio de uma filha de Fabrício Queiroz que o antigo gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara distribuiu cascalho de rachadinha, uma filha de Gilmar Santos, o outro pastor do preachergate do MEC, esteve lotada no gabinete do deputado federal bolsonarista João Campos entre junho de 2021 e março de 2022, fazendo ainda não se sabe ao certo o quê.

João Campos era o grande cicerone de Gilmar Santos e de Arilton Moura pelos corredores do poder e gabinetes de Brasília, incluindo os dos ministros Ciro Nogueira e Damares Alves.

Nas fotos abaixo, Santos, Moura e Campos, além de outro pastor do preachergate, Wesley Costa, aparecem com Damares, Nogueira, o general Luiz Eduardo Ramos e Jair Bolsonaro.

Com Milton Ribeiro preso, Jair Bolsonaro disse á Rádio Itatiaia: “que ele responda pelos atos dele. Peço a Deus que não tenha problema nenhum”. Quanto a Queiroz, coube ao próprio, há poucos meses, anunciar a desincompatibilização pré-eleitoral: “o comandante disse que só voltará a falar comigo depois que ficar esclarecido o problema das rachadinhas. Sou um soldado. Obedeço. A gente não se fala, mas se respeita”.

“Aquele problema – disse ainda Queiroz em abril, numa entrevista ao jornal O Globo, referindo-se às rachadinhas – foi meu, apenas. De mim, não passa”.

Em março, em depoimento à mesma PF que foi buscá-lo em casa na última terça, Ribeiro disse que “o presidente Jair Bolsonaro realmente pediu para que o pastor Gilmar fosse recebido, porém isso não quer dizer que o mesmo gozasse de tratamento diferenciado ou privilegiado na gestão do FNDE ou MEC”.

Natalícios

Em outubro do ano passado, Fabricio Queiroz ganhou uma festa surpresa de aniversário para comemorar seus 56 anos de idade. Entre os convivas estava Raimunda Veras Magalhães Nóbrega, mãe do miliciano Adriano Nóbrega, o pistoleiro-chefe do Escritório do Crime morto em fevereiro de 2020 pela PM da Bahia.

Além de dividir croquetes, quibes e coxinhas com catupiry em festas natalícias, Queiroz e Raimunda dividiam dinheiro público desviado do antigo gabinete de Flavio Bolsonaro, conforme consta em denúncia do MP do Rio – a do caso da rachadinha – envolvendo as três figuras, porque, afinal de contas – e que contas -, ninguém faz nada sozinho.

“A gente não faz nada sozinho”, aliás, foi o disse Flavio Bolsonaro em mensagem de feliz aniversário ao pastor Gilmar Santos, também no ano quando. “A gente não faz nada sozinho” foi mesmo a tônica da mensagem de felicitação. No vídeo, que Come Ananás reproduz mais abaixo, Flavio se dirige ao pastor “em nome de toda a minha família, agradecendo tudo o que o senhor faz não por nós, mas pelo nosso Brasil”, e emenda:

“Sem pessoas como o senhor, a nossa guerra pela disputa do poder em Brasília sem dúvida seria muito mais complicada”.

O feirão de verbas e cargos em 2020 e o preachergate do MEC

Há pouco mais de dois anos, um do pastores do Preachergate, Arilton Moura, apareceu de repente nomeado para um cargo comissionado no gabinete do líder do MDB na Câmara dos Deputados. Tão de repente quanto fugaz: a nomeação, publicada no dia 20 de maio de 2020, foi tornada sem efeito poucas semanas depois, no dia 23 de junho.

Era um pássaro? Um avião? Não. Era o pastor Arilton Moura, tido como braço direito do pastor Gilmar Santos, lotado e “deslotado” a jato no gabinete do então líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi, quando o MDB ainda era governo e ainda era Centrão.

Aquela nomeação de Arilton Moura aconteceu precisamente no meio de uma das maiores feiras livres de cargos do segundo e terceiro escalões do Governo Federal que Brasília já viu; no justo, exato e preciso momento em que Bolsonaro rasgou de vez a fantasia de anti-“toma lá, dá cá” e, entre abril e maio de 2020, o Palácio do Planalto virou local de romaria dos lideres do Centrão, devotos dos mais de R$ 10 bilhões que os cargos tinham livres para investimentos em 2020.

Teve até fila no terceiro andar do Palácio. Bolsonaro queria garantir que teria força para segurar um eventual processo de impeachment.

Baleia Rossi foi recebido por Bolsonaro no dia 22 de abril, semanas antes de Baleia receber o pastor Arilton como seu novo “assistente técnico de gabinete adjunto”.

Um dos cargos mais cobiçados naquela esbórnia, a direção do FNDE – o FNDE do Preachergate, órgão que tem orçamento da ordem de R$ 50 bilhões -, ficou com o PL, hoje o partido de Bolsonaro. O novo diretor do fundo seria um velho chefe de gabinete de Ciro Nogueira, que mais tarde viria a ser chefe da Casa Civil de Bolsonaro.

Aos porcos, ou melhor, ao MDB, Bolsonaro atirou naquela esbórnia de 2020 um posto no conselho de Itaipu Binacional, que foi ocupado pelo indefectível Carlos Marun. O partido não demoraria para desembarcar tanto do governo quanto do Centrão, o que dá quase no mesmo.

Repetindo: tivéssemos um procurador-geral da República apegado mesmo que por um fio à ideia de República, o presidente da República já teria sido denunciado por chefiar organização criminosa.

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