Além do coronel do Exército Ricardo Sant’ana, que se dedicava a enxovalhar as urnas eletrônicas, atacar Lula e exaltar Jair Bolsonaro nas redes sociais, haveria algum outro militar da ativa e da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação (EFASEV) que fez postagens pró-Bolsonaro e antipetistas na internet?
Uma busca no Instagram e no Facebook pelo nome do doutor em informática e capitão de fragata Vilc Queupe Rufino, membro da EFASEV, conduz a um tal Bean Victor. O perfil de Bean Victor no Instagram é privado. No Facebook, Bean Victor chama Bolsonaro de “mito” e Lula de “analfabeto” usando fotos do oficial da Marinha, url do oficial da Marinha (facebook.com/vilc.rufino) e sendo chamado pelo nome do oficial da Marinha em comentários a suas publicações sobre política, náutica e ciência da computação.






Na tarde da última terça-feira, 9, Come Ananás enviou e-mails para Vilc Rufino e para o Ministério da Defesa, pedindo posicionamentos diante da constatação de manifestações políticas, algumas bem frontais, publicadas pelo capitão de fragata no Facebook. Não fizemos qualquer menção a Bean Victor. Cerca de uma hora depois, porém, a conta de Bean Victor no Facebook havia sido desativada. Retornaria algumas horas mais tarde, mas já sem parte do conteúdo político anteriormente exibido. Na manhã desta quarta-feira, 10, já não havia mais qualquer post com esse teor.
Até a publicação desta reportagem, na manhã desta quinta-feira, 11, os e-mails não tinham sido respondidos.
Recordemos que a conta de Ricardo Sant’ana no Facebook também saiu do ar, na semana passada, logo após a Defesa ser questionada pelo portal Metrópoles sobre a conduta do coronel de espalhar informações falsas sobre Lula e sobre as urnas eletrônicas.
As postagens apagadas de Bean Victor
Em 2018, ano da última eleição presidencial, Bean Victor se referiu a Jair Bolsonaro como “mito” numa postagem de 2 de novembro, poucos dias após o segundo turno. Nessa postagem, Vilc Rufino aparece com familiares, “tietando”, na frente do condomínio onde morava o então presidente eleito, no Rio de Janeiro.

Em outra postagem, publicada às vésperas do segundo turno, Bean Victor repercute com enfático endosso (“Exatamente o que eu queria dizer. Repassando”) um texto que faz referência ao ex-presidente Lula como um “metalúrgico analfabeto” que “financiava clandestinamente o regime de Hugo Chávez e Nicolás Maduro”. O texto classifica os governos do PT como “uma máquina corrupta que organizou o maior assalto aos cofres de um país na história democrática ocidental”.

“Estamos cagando e andando para o que vocês pensam, New York Times e companhia”, reverberou Bean Victor em 2018, referindo-se à iminente eleição de Jair Bolsonaro. Aqui, o tal Bean Victor lembra Alejandro, personagem fugaz do livro “Um tal Lucas”, de Julio Cortázar, que afundando de chimarrão em chimarrão diz que “tudo vai de mal a pior, Josefina, o que está faltando aqui é um governo forte, porra”.
Ele sim
Antes, durante e após as eleições de 2018, Bean Victor compartilhou várias outras manifestações pró-Bolsonaro, além de tecer críticas ao programa de governo do então candidato do PT à presidência da República, Fernando Haddad, e engrossar zombarias dirigidas a artistas que na época aderiram ao movimento “Ele Não” – contra a candidatura de Bolsonaro a presidente.
Veja:





Quando Bean Victor publicou todas essas manifestações no Facebook, Vilc Queupe Rufino ainda não tinha completado um ano como capitão de fragata, segundo posto de oficial superior na Marinha do Brasil. Sua promoção saiu no Diário Oficial da União em dezembro de 2017.
O regulamento disciplinar da Marinha prevê que “manifestar-se publicamente a respeito de assuntos políticos” é uma contravenção disciplinar passível de repreensão ou até 10 dias de prisão.
Mandem reforços, câmbio
Após o TSE comunicar ao Ministério da Defesa o descredenciamento do coronel do Exército Ricardo Sant’ana para inspecionar os códigos-fonte das urnas eletrônicas, o ministério soltou nota dizendo que “não há interferência das posições pessoais dos integrantes no trabalho da equipe”.
A postagem mais recente que aparece no perfil de Bean Victor no Facebook – mesmo antes das remoções feitas após Come Ananás ter tentado contato com Vilc Rufino – data de 25 de agosto de 2021, quase um ano atrás. Só uma inspeção em códigos-fonte, por assim dizer, poderia informar se outras postagens, mais atuais, foram apagadas logo depois de o caso Ricardo Sant’ana vir à tona; depois de revelado o que postava o coronel, colega do capitão Rufino e de outros sete militares das três Forças na EFASEV.
Nesta quarta, o Exército se manifestou publicamente sobre o caso Sant’ana, criticando o TSE pelo descredenciamento do coronel, saindo em defesa de um oficial superior que violou flagrantemente regras de conduta da caserna e recusando-se a indicar um substituto para ele na equipe das Forças Armadas que ora revolve o sistema eletrônico brasileiro de votação.
Também nesta quarta, soube-se que o ministério da Defesa pretende dobrar o número de integrantes desta equipe e estender em uma semana a duração da inspeção das urnas eletrônicas, como quem se deparou com qualquer coisa e precisa de reforços e mais tempo para romper as linhas inimigas.
‘Um eleitor real’
A postagem de 25 de agosto do ano passado, que remanesceu no perfil alterado de Bean Victor, é o compartilhamento de uma mensagem alusiva ao dia do soldado publicada pelo comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, chefe militar que faz eco às suspeitas lançadas por Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas.
Na mensagem, o almirante de esquadra se dirige aos “marinheiros e soldados brasileiros” retinindo uma velha marcha castrense: “se a Pátria querida for envolvida pelo inimigo, na paz ou na guerra, defende a terra contra o perigo”.
Nas últimas horas, a mídia brasileira vem informando sobre a possibilidade de um “armistício” entre o Palácio do Planalto e o TSE sob os termos de o TSE ceder em mais duas das “propostas” feitas pelos militares ao tribunal. Uma delas é que no teste de integridade das urnas eletrônicas, que ocorre nos TREs no mesmo dia da eleição, as urnas sejam liberadas com a biometria de eleitores voluntários, reais.
No Facebook, Bean Victor usa uma imagem da Lua no lugar da foto de perfil. Em nome da integridade das urnas e em defesa da pátria, será que se apresentaria como voluntário e mostraria sua verdadeira cara de eleitor? As digitais, parece que já deixou.