Disse o papa Francisco à imprensa argentina dias atrás, antes de sua internação:

“O lawfare abre caminho nos meios de comunicação. Deve-se impedir que determinada pessoa chegue a um cargo. Então, o pessoal o desqualifica e metem a suspeita de um crime. Então, faz-se todo um sumário, um sumário enorme, onde não se encontra [a prova do delito], mas, para condenar, basta o tamanho desse sumário. ‘Onde está o crime aqui?’ ‘Mas, sim, parece que sim…’ Assim condenaram Lula”.

As declarações cristalinas do chefe da Igreja Católica sobre o lawfare movido contra Lula pela conspiração Lava Jato precisam ser cotejadas com o comportamento da imprensa brasileira, e de suas “agências de checagem de fatos”, quando, em meados de 2018, chegou às mãos de Lula na carceragem da Polícia Federal em Curitiba um terço enviado por Mario Jorge Bergoglio.

Na época, inebriadas de lavajatismo, as “agências de checagem de fatos” e seus controladores classificaram como “falsa” a informação de que Lula tinha recebido, na prisão nunca admitida pela mídia como política, um terço enviado por Francisco. Este jornalista, na época, antes de o Come Ananás existir, provou que a informação era verdadeira.

Abaixo, na íntegra, artigo publicado na plataforma Medium no dia 12 de junho de 2018.

Terço enviado a Lula tem sido dado por Francisco a presos políticos da América Latina

Hugo Souza

O Papa Francisco enviou recentemente a pelo menos dois conhecidos políticos presos (apontados como presos políticos) em países da América Latina, Argentina e Equador, terços idênticos àquele que chegou até o ex-presidente Lula na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

Na Argentina, trata-se de Milagro Sala, conhecida ativista, dirigente da Organização Indigenista Tupac Amaru e deputada do Parlamento do Mercosul. Milagro foi presa em janeiro de 2016 na província de Jujuy por “instigação ao crime e à desordem”. No dia de sua prisão, seu marido denunciou que Milagro tornava-se a “primeira presa política do governo Macri”. É considerada assim por diversas organizações argentinas e internacionais de defesa dos Direitos Humanos.

Terço enviado pelo papa Francisco a Milagro Sala.

Em outubro daquele ano, a Comissão de Direitos Humanos da ONU emitiu um “apelo urgente” para que Milagro fosse libertada. O apelo foi endossado em julho de 2017 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Meses antes, em março, Milagro recebeu o rosário do papa, seu compatriota, na prisão de Alto Comedero, em Jujuy. O emissário de Francisco foi o vereador de Buenos Aires Gustavo Vera.

Foi, na verdade, a segunda vez que Francisco enviou um rosário a Milagro Sala. A primeira aconteceu após o encarceramento da deputada, em fevereiro de 2016. Naquela ocasião, o terço destinado a Milagro foi entregue pelo papa aos cuidados de Enrique Palmeyro, diretor da organização educativa Scholas Occurrentes. Também na época, o reitor da Universidade Católica de Buenos Aires, Monsenhor Victor M. Fernandez, escreveu um artigo sobre o caso para o jornal La Nación, no qual disse:

“Soube que ela escreveu uma carta para Francisco e alguns sugeriram que ele a respondesse, já que a conhece pessoalmente. Mas ele optou por enviar apenas um rosário, que é um instrumento para rezar, sem maiores considerações que pudessem significar uma opinião ou interferência em um processo judicial, que ainda é muito dúbio nessa sua fase introdutória”.

A agência de notícias do Vaticano informou, inicialmente, diante da repercussão do caso do terço a Lula, que ele, o terço, foi apenas “abençoado” pelo Papa, e foi dado ao ex-presidente brasileiro como a “tantos prisioneiros do mundo sem entrar no mérito de realidades particulares”.

Agências de fact-checking brasileiras classificaram a notícia de que “Papa enviou terço a Lula” como “falsa”. No início da noite, na agência do Vaticano, a “Precisação sobre o caso Grabois-Lula” foi atualizada, porque tinha “imprecisões na tradução”. Não há confirmação, mas tampouco há mais desmentido de que o terço teria sido enviado a Lula diretamente pelo próprio papa.

No Equador

Jorge Glas, de punho erguido, no dia de sua condenação.

Em maio desse ano, Francisco enviou um terço ao ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas, que foi afastado do cargo após ser condenado em dezembro do ano passado a seis anos de prisão “por ligação com a Lava Jato”.

Várias lideranças de esquerda da América Latina dizem que o processo que resultou na condenação de Glas foi repleto de flagrantes irregularidades — a exemplo do processo do Triplex, que resultou na prisão de Lula — e que as razões de sua prisão são políticas. O ex-presidente equatoriano Rafael Correa disse recentemente que se o processo contra Glas tivesse acontecido em seu governo, “já teria sido denunciado na Corte Internacional de Haia”. Foi Correa o encarregado de levar ao preso o terço do papa.

Rafael Correa com o terço destinado a Jorge Glas.

Tanto Lula quanto Milagro Sala e Jorge Glas receberam no cárcere um rosário do Vaticano arrumado num estojo vermelho junto com um cartão pontifício onde aparece o brasão franciscano que Jorge Mario Bergoglio escolheu como insígnia de sua atividade eclesiástica, em 1992, quando foi nomeado bispo na Argentina, e que decidiu conservar quando foi escolhido papa, duas décadas mais tarde.

Em nenhum dos três casos (quatro, porque Milagro ganhou dois) o emissário do Bergoglio foi um representante da Igreja Católica.

No caso de Lula, quem trouxe o terço ao Brasil foi o advogado argentino Juan Grabois, cuja visita a Lula para entregar o “kit” pessoalmente foi impedida pela Polícia Federal. Trata-se de um leigo batizado ligado a movimentos sociais, como os agentes leigos das pastorais e comunidades eclesiais de base, cujas centenas de milhares de participantes tiveram papel importante no processo de formação do Partido dos Trabalhadores, 40 anos atrás.

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